Estados de Espírito #28

Se o tempo passa, é porque estamos distraídos. 

Esta frase passou-me pelo pensamento há uns dias. E deixei-a marinar por lá mais uns tempos, curiosa com o significado destas palavras.

O tempo passa, realmente. Sem qualquer dúvida. 

Quando somos crianças, tendemos pensar que o tempo se arrasta indefinidamente. As estações arrastam-se sem que tenham vista ao fim, os aniversários e os Natais, tardam a chegar. E são rápidos a passar. Desejamos quase todos os dias poder ser um bocadinho, só um bocadinho mais velhos para que possamos ser considerados adultos, fazermos o que quisermos, sem que ninguém nos chame de imberbes.
Até que a pressão para crescer e ser mais responsável começa a pesar nos nossos ombros.
Primeiro, temos que ser os melhores a desenhar e temos de ser os mais imaginativos. Depois temos de ser aqueles que mais palavras de uma vez só consegue decorar, com vista à recompensa gulosa no final.
Depois temos de começar a tirar os 5, proporcionais ao tempo de horas que o recreio diminui. Temos de ser os melhores na natação, na ginástica, na música. Fazemos mais actividades extra-curriculares do que as disciplinas da escola. 
A pressão começa realmente a fazer-se sentir quando começamos a ter que tirar dos 15’s para cima. Quando temos que coordenar a paixão extra-curricular e a pressão que sabemos sentir na escola. Ainda mais quando temos um exemplo mais velho que possa relembrar-nos para sempre do quanto aquém ficámos.
Quando entramos para a universidade, o campo de competição fica mais largo. Mas a pressão continua lá. De nós continua a ser exigido nada menos que a perfeição, que a excelência. Criamos quase tantos inimigos como amigos para a vida.
Acabamos por pisar quem fica para trás, mas nem sequer olhamos sobre o ombro.
No emprego, é-nos exigido estarmos sempre acima do nível esperado. É assim que as promoções e os bónus se ganham. É assim que conseguimos manter uma família, dar sustento aos nossos filhos. 
Os dias começam a ser pequenos demais, passamos toda a vida adulta a querer negociar com o tempo, para que ele estique apenas mais um pouco. Que volte um bocadinho, só um bocadinho para trás. Só para termos mais uns minutos, é o suficiente para acabar aquele projecto. 
As noites tornam-se compridas, momentos desfocados, passados dentro de um ecrã de computador. 

Sabemos que a vida é mesmo assim. Toda a vida nos disseram isso. Toda a vida nos ensinaram que para se ser algo, temos que apontar para a excelência e esse nível não vem senão com trabalho e sem dúvida com muitos momentos difíceis. E se pensamos que queremos tirar um momento para descansar, mal fechamos os olhos, vemos na nossa cabeça, os mentores de toda uma vida, que sempre quiseram que fôssemos crianças excepcionais,  jovens de sucesso e adultos brilhantes.

Mas ninguém se lembra da pressão que estas crianças excepcionais têm de carregar nos seus ombros. Embora a viagem valha a pena no final, o percurso nem sempre é dos mais felizes e pode nem sempre acabar com um final feliz. 

Nunca ninguém ensina a essas crianças o tesouro que é apreciar o tempo, acariciá-lo pelo tesouro que é. De facto, passamos a vida tão preocupados em ser excelentes em alguma coisa, que não nos apercebemos que o tempo andou a aproveitar-se da nossa distracção este tempo todo.


| daqui |


3 thoughts on “Estados de Espírito #28

  1. De facto, passamos tanto tempo a pressionarmo-nos para atingir várias metas que quando damos conta, fomos literalmente “comidos” pelo tempo…
    Não sei se é o teu caso, mas nota-se ainda mais quando se tem filho(a)s. Às vezes ponho-me a olhar para elas e pergunto-me como é que possível já ter passado tanto tempo desde que nasceram… Ainda ontem lhes dava o biberão e agora já as acompanho nos trabalhos de casa 🙂
    O tempo é mesmo tramado… engana-nos com uma pinta de primeira!

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